quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Fonte das Mulheres: Um grito de democracia em nome do amor

O diretor Radu Mihaileanu mostra sensibilidade em uma obra baseada em fatos reais

Por Jorge Nunes Chagas



O longa “A Fonte das Mulheres” (La Source des Femmes) é feito por atores marroquinos e franceses, alguns de origem argelina, que abraçaram a cultura mulçumana se apropriando do Islã (religião estabelecida entre os árabes) e do Alcorão (escritura dos seguidores do Islã, como a Bíblia, adorando a Alá, palavra árabe que significa Deus) como base para as filmagens. A característica multicultural começa daí, onde todos os envolvidos gravaram a fita em árabe, com a intenção de fazer a história ser fidedigna aos ideais mulçumanos, fruto de um intenso trabalho de pesquisa.

O ambiente me lembrou do sucesso “Quem Quer Ser um Milionário”, filme britânico rodado na Índia dirigido por Danny Boyle e ganhador de 8 Oscars. Digo isto devido às semelhanças apresentadas por alguns personagens, no que diz respeito a características e trejeitos, além, é claro, da cultura. O filme já é bem encaminhado por ter sido um dos indicados à Palma de Ouro do Festival de Cannes 2011 e quero destrinchar isso a seguir.


Baseado em uma história real, seu cenário é o interior de uma pequena aldeia tradicional localizada entre o Norte da África e o Oriente Médio. Lá, as mulheres tinham que buscar água no topo de uma montanha nas proximidades todos os dias e tinham de voltar com baldes pesados, machucando seus ombros. Na ocasião, em meio ao serviço pesado, havia uma grávida, fato este que não poderia acabar bem. Não deu outra. A morte de um bebê ainda no ventre foi o estopim para que a jovem Leila (Leila Bekhti) indignada com tal condição de subserviência puramente machista, mobilizasse as suas amigas para um caminho sem volta, encabeçando uma greve de amor, alegando ser este o único poder sobre os homens, que só terminaria quando os mesmos concordassem em buscar água para a aldeia no lugar delas.

Esta é uma missão nada fácil que contou com o apoio da melhor amiga Esmeralda (Hafsia Herzi) e a grande contribuição de “Mother Rifle” (Biyouna), traduzida para o filme como a “Velho Fuzil” (isso mesmo, não é “Velha Fuzil”), que se trata de uma viúva experiente que se tornou decisiva para o aliciamento de suas companheiras em favor da greve de amor. Uma espécie de “juíza da paz” como diz o próprio diretor judaico-francês.

Os homens recebem a notícia com ironia, mas elas permanecem firmes em seu propósito. Reações violentas começam a surgir: brigas, perdas entre as amigas, divergências internas entre as famílias provocando divisões de opiniões, revoltas para todos os lados. Leila se encontra em uma encruzilhada. Sem apoio da família, porém protegida pelo amor de seu marido e professor Sami (Saleh Bakri) que aderiu a causa, ela busca forças para combater as constantes ameaças de repúdio. A palavra de ordem entre as mulheres é uma só: Resistir!

O diretor Radu Mihaileanu procurou explorar questões relacionais entre mulheres e homens, as crianças, pais, mães-de-lei, o amor, o trabalho, as festas, a música, etc. A figura sensata de Hussein (Mohamed Majd), pai de Sami, é introduzida com seu conservadorismo para dar conselhos e tentar conduzir as decisões do filho e de sua amada idealista.

As músicas típicas criadas de forma metafórica pelas mulheres condenavam as falhas masculinas, acusando-os de maus tratos. Com a boa trilha de Armand Amar, acompanhando as cenas de tensão, as mulheres, em sua maioria analfabetas, buscam se espelhar na figura de Leila, única mulher dentre as jovens da aldeia que sabia ler e que tem o poder para mudar através das palavras.

Questões políticas são levadas em consideração para a resolução dos problemas e estabelecer a democracia. Baseadas nos ensinamentos da doutrina islâmica, as militantes femininas afirmam que "o dever do ser humano é elevar-se através do conhecimento”, dito no Alcorão. Esta medida foi a base para abrir os olhos a fim de confrontar as leis do Islã, que tentavam deturpar os ensinamentos da aldeia. Por vezes me lembrou “O Nome da Rosa”, em que a Igreja na época omitia certos ensinamentos da bíblia a fim de manipular a população, lhes escondendo a verdade, a mesma verdade que lhes libertaria.

Um coadjuvante teve uma pontinha de influência neste processo, que provocou uma reviravolta no andamento da história e no coração de Leila. A pessoa em questão é o misterioso jornalista Soufiane (Malek Akhmiss), uma antiga paixão de Leila que vai até o vilarejo na esperança de se reaver com seu grande amor. Leila, Sami e o então Soufiane acabam arbitrariamente unidos pela causa.

O amor é fundamentalmente o combustível deste drama filosófico de cunho social que, inclusive, teve até momentos engraçados. É uma história dos tempos atuais, bonita, sensível e rica em situações que, de certa forma, nos fazem lembrar as revoluções recentes no mundo árabe. O deserto, a água e a seca que atinge aquela vila são o pano de fundo desta história e ao mesmo tempo uma metáfora. Nela, o diretor diz que há canções de tradição árabe em que o homem deve “água” a mulher, como se ela fosse uma flor a ser regada e bem cuidada, onde a negligência nos cuidados não será mais tolerada.

Distribuído pela Paris Filmes, o longa estreia sexta-feira, dia 20 de janeiro. 
 
Vale a pena conferir!

Dou nota 8,5.



Agência Zapp News

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